Revista Contra Relógio
// ESPECIAL //
Treine menos, corra mais rápido
Edição 179 - AGOSTO 2008 - SÉRGIO ROCHA
É possível correr bem uma maratona treinando somente 3 dias por semana? A resposta dos professores Bill Pierce, Scott Murr e Ray Moss da Universidade de Furman (Carolina do Sul, EUA) é que sim. Eles são os fundadores do Furman Institute of Running and Cientific Training (F.I.R.S.T.) e publicaram no início de 2007 o livro chamado Run Less, Run Faster (Corra menos, corra mais rápido, Editora Rodale, sem previsão de lançamento no Brasil).
O CONCEITO. A proposta do F.I.R.S.T. consiste em se fazer 3 treinos de qualidade e em outros 2 dias "cross-training", ou seja, em vez de trotes regenerativos, fazer treinos aeróbicos sem impacto, como natação ou bicicleta ergométrica. O programa serve para todos os tipos de corredores, especialmente os que têm pouco tempo para treinar, como aqueles que se lesionam em treinos com muita quilometragem. Ou simplesmente para os que buscam uma abordagem diferente em relação ao treinamento de corridas de rua.
TESTE. A Contra-Relógio decidiu testar o programa, através do editor de arte, Sérgio Rocha, comprando o livro e o seguindo, tendo em vista a Maratona de Porto Alegre 2008. E funcionou: Sérgio Rocha fez 3:47:55, melhorando em quase 30 minutos o resultado obtido na mesma maratona em 2006.
Os três treinos semanais são divididos em: 1) tiros em pista ou local com distâncias aferidas, 2) ritmo e 3) longão. Esses treinos não são "fáceis". O fato de se correr apenas três vezes por semana significa que os treinos são muito mais exigentes e intensos do que os corredores estão acostumados nos treinos "convencionais".
O treinamento é baseado em metas fixas de ritmo, que são estabelecidas a partir de resultados recentes obtidos em provas. De fato, as primeiras semanas de treinamento são duras, mas com o passar do tempo as metas passam a ser atingidas com relativa tranqüilidade.
Para conhecer melhor o treinamento, acesse (www.furman.edu/first). No site estão planilhas para provas de 5 e 10 km, meia-maratona e maratona. Também há tabelas de tempos para os treinos de ritmo, os longões e uma tabela que determina o padrão de tempo a ser seguido baseado em resultados obtidos em provas disputadas. Só não há a tabela para os treinos de tiros, que provavelmente não está lá para encorajar a compra do livro.
CROSS-TRAINING. Uma das chaves do sucesso do treinamento é o cross-training. Na verdade, é o que eles defendem como uma maneira de melhor regenerar a musculatura usada na corrida, mas mantendo a intensidade do treinamento aeróbico. Portanto, o cross-training nada mais é do que uma opção diferente aos trotes tradicionalmente usados nos programas ditos "convencionais" de maratona. Usando a natação ou o ciclismo, o corredor aumenta sua capacidade aeróbica sem desgastar a mesma musculatura usada na corrida, afastando o aparecimento de lesões decorrentes de grande volume de corrida derivado do tempo em que se "bate o pé no chão". Pode se usar como cross-training, além de natação e bicicleta, o deep running (corrida na água), remo ou aulas de spinning.
CONCLUINDO. É claro que todo treinamento tem seus poréns. O primeiro é que nem todos os corredores gostam de fazer outra atividade física que não seja corrida. Outro é não existir nem um treino "leve" na planilha, o que tira um dos maiores prazeres do corredor, que é treinar sem compromisso, já que se tem que correr sempre "contra o relógio" e bem focado.
Alguns corredores se dão melhor com maior volume do que intensidade, e outros se lesionam com facilidade em treinos muito intensos. Nos fóruns de corredores há muita polêmica envolvendo esse treinamento, e recebe crítica principalmente dos corredores rápidos (aqueles que fazem maratonas abaixo de 3 horas, por exemplo) e que seguem tendo ótimas performances usando os treinos baseados em grande volume de quilometragem (veja a resposta de Bill Pierce a essa questão na entrevista ao seguir). De qualquer forma, o treino da F.I.R.S.T. funciona como qualquer outro, se seguido com disciplina e foco. Mas cá entre nós, quando se corre apenas 3 dias na semana, a fome pelos treinos parece ser muito maior. E a rapidez dos treinos também.
ENTREVISTA COM BILL PIERCE
CR: Como surgiu o F. I.R.S.T.?
Bill Pierce: Eu e Scott Murr começamos a correr juntos quando ele já era professor sênior e eu estava no meu primeiro ano como professor da Universidade de Furman. Por 25 anos, passamos inúmeras horas correndo, nadando, pedalando, remando e testando diversas abordagens de treinamento. Como conhecedores da ciência do exercício, nossas conversas estavam sempre girando em torno desse ramo e, naturalmente, começamos a explorar o quanto nossas experiências nos treinos e formações acadêmicas poderiam nos ajudar a formular uma forma mais inteligente de treinar.
Nós começamos a participar de triatlos e essa experiência nos levou a descobrir o que não esperávamos. No início, quando começamos a treinar para esses eventos, nos esforçamos ao máximo para manter seis dias de treinos de corrida na semana. Naturalmente isso nos levou à exaustão. Relutamos, mas decidimos abrir mão de uns dias de corrida para conseguir aumentar o volume de pedal e natação porque achávamos que esse era o único meio para sermos competitivos. O senso comum, somado aos conhecimentos adquiridos na comunidade de ciência do exercício, nos dizia que como estávamos correndo menos, nossas performances como corredores inevitavelmente iriam cair. Então você pode imaginar nosso choque quando isso não aconteceu conosco em provas que iam desde 5 km a maratonas. Foi com esses acontecimentos que as sementes, do que viria a ser o F.I.R.S.T., foram plantadas.
A diversidade do treino o tornava mais interessante e divertido, menos estressante e de alguma forma, mas efetivo. Por causa dos dias limitados de corrida por semana, nós fomos forçados a fazer uma abordagem mais científica dos nossos treinamentos a fim de maximizar os seus benefícios. Nós experimentamos outros tipos de treinos aeróbicos, procurando por aqueles que complementariam a corrida de forma mais eficiente. Um de nossos colegas, Ray Moss (diretor do Departamento de Performance Humana da Universidade) colaborou conosco para desenvolver um plano de treinamento mais detalhado. Foi depois de anos testando o plano, que o Instituto de Corrida e Treinamento Científico da Universidade de Furman (Furman Institute of Running and Scientific Training - F.I.R.S.T.) e sua abordagem única de treinamento nasceu.
Quando vocês decidiram que era hora de publicar um livro sobre o F. I.R.S.T.?
Depois de termos desenvolvido os planos de treinamento e conduzido pesquisa de estudo para validá-los, nós compartilhamos a informação com o editor executivo da R unner's World, Amby Burfoot. Ele publicou uma matéria na revista e insistiu para que nós escrevêssemos o livro.
Em fóruns de discussão na internet, alguns maratonistas são céticos em relação ao F. I.R.S.T. Eles dizem que o plano de treinamento é um "atalho" e que ninguém consegue alcançar todo seu potencial para a maratona sem correr 100 km ou mais por semana.
Nós nunca dissemos que o F. I.R.S.T. é o melhor programa de treinamento. Os corredores de elite obviamente treinam muito mais horas e quilômetros do que o nosso programa descreve. Mas muitos corredores não toleram fisicamente treinamentos de alto volume e para boa parte deles isso leva às lesões. Outros não têm o tempo ou a energia para se dedicar a esse tipo de treinamento. O F.I.R.S.T. oferece um caminho efetivo para alcançar altos níveis de condicionamento, ótimas performances e ao mesmo tempo diminui o risco de lesões.
O F.I.R.S.T. também serve como alternativa aos planos de 5 a 7 dias de treinos de corrida que muitos acham difícil de serem aplicados no seu dia-a-dia. Muitos corredores nos escrevem que foram mais bem sucedidos com o F.I.R.S.T. do que com outros programas de treinamento que usaram anteriormente porque ou se lesionavam ou ficavam extremamente fadigados. Outros dizem que adoraram a variedade (cross-training) da nossa abordagem.
Para os corredores que não tem acesso a academias ou piscinas, é permitido trotar ou invés de fazer cross-training?
Há alguns corredores usando nosso programa que correm nos dias de cross-training. Tudo bem fazer isso, contanto que se consiga alcançar as metas de ritmo determinadas para os três dias de corrida.
Nós conversamos com alguns treinadores brasileiros sobre o F.I.R.S.T. e muitos nos disseram que usam planos de treinamento semelhantes e personalizados para atletas que só tem três dias disponíveis para correr. Qual é a diferença entre o esse tipo de abordagem e a de vocês?
O F.I.R.S.T. é um programa "3+2". Nós incluímos dois dias de cross-training. Outra diferença é que no nosso caso os treinos são muito intensos. Isso quer dizer que os ritmos determinados para os treinos, especialmente para os longões, são mais rápidos do que a maioria dos outros planos de treinamento. O F. I.R.S.T. enfatiza a intensidade, a variável que tem maior efeito no condicionamento.
SERVIÇO
RUN LESS, RUN FASTER, Bill Pierce, Scott Murr e Ray Moss (ed. Rodale). R$ 38,65 (WWW.LIVRARIACULTURA.COM.BR)
O livro, que já vendeu 15 mil exemplares, tem prefácio do editor executivo da Runner's World, Amby Burfoot, não fica restrito ao treinamento. Além de demonstrar os resultados obtidos dos testes de campo que deram origem ao F.I.R.S.T., há capítulos sobre nutrição, tratamento de lesões, alongamentos, fortalecimento muscular, um guia para cross-training e uma planilha especial de treinamento para a Maratona de Boston. Os autores usam depoimentos de corredores que usaram o método como forma de responder às maiores dúvidas que se tem em relação aos treinos. De qualquer forma, mesmo que você tenha alguma questão a ser esclarecida, basta entrar em contato com os autores, que são muito solícitos e rápidos para responder. Não há previsão de lançamento do livro em português, portanto, este fica restrito àqueles que tem pelo menos conhecimento razoável de inglês. As tabelas e planilhas do livro usam o sistema britânico (milhas, min/milhas), mas é possível ir ao site (WWW.FURMAN.EDU/FIRST/FMTP.HTM) baixar e imprimir mesmas com as distâncias convertidas para km, e os ritmos para min/km.
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